Festa da Epifania (PDF)     TEXTO

 

Adoração dos Reis Magos, monges beneditinos, c. 1800

Como os Magos, ponhamo-nos a caminho.
Tenhamos confiança. Como eles, ergamos os olhos.

A luz vem de Deus, deixemo-nos iluminar. Como eles, procuremos, não tenhamos demasiadas certezas. Tenhamos somente convicções, descubramos os sinais de uma presença. Como eles, ofereçamos presentes: o da oração, o do respeito de todo o homem. Procuremos agradar a Deus e aos irmãos.

Como eles, aceitemos começar um novo caminho. Deixemo-nos interpelar por Deus e pelo seu Evangelho, pelos homens e mulheres deste tempo.

Dehonianos

 

 

Deus propõe-Se, não Se impõe

Papa Francisco, Homilia na Epifania de 2019 (excertos)

É sempre grande a tentação de confundir a luz de Deus com as luzes do mundo. Mas, assim, voltamos os holofotes para o lado errado, porque Deus não estava lá.

A sua luz amável resplandece no amor humilde. Além disso, quantas vezes tentamos, como Igreja, brilhar de luz própria! Mas, não somos nós o sol da humanidade; somos a lua que, mesmo com as suas sombras, reflecte a luz verdadeira, o Senhor.

A luz de Deus vai para quem a acolhe. «Levanta-te e resplandece» (Is, 60, 1) É preciso erguer-se do próprio sedentarismo e prontificar-se a caminhar.

É preciso revestir-se de Deus todos os dias, até que Jesus Se torne a nossa vestimenta diária. Mas, para usar a vestimenta de Deus, que é simples como a luz, primeiro é preciso desfazer-se das roupas pomposas.

Para encontrar Jesus, deve-se planear um itinerário diferente, deve-se tomar outro caminho: o d’Ele, o caminho do amor humilde. Só encontra o mistério de Deus quem deixa os próprios apegos mundanos e se põe a caminho.

Trouxemos algum presente a Jesus, pela sua festa? O Evangelho contém uma pequena lista de prendas: ouro, incenso e mirra.
O ouro, o elemento mais precioso, lembra-nos que a Deus deve ser dado o primeiro lugar. Para isso, é preciso privar-se a si mesmo do primeiro lugar e considerar-se necessitado, não auto-suficiente.

Aqui entra o incenso, que simboliza o relacionamento com o Senhor, a oração, que se eleva para Deus como perfume. Como para exalar o perfume se deve queimar, também para a oração é preciso «queimar» um pouco de tempo.

Quanto à mirra, agrada ao Senhor que cuidemos dos corpos provados pelo sofrimento, da sua carne mais frágil, de quem ficou para trás, de quem só pode receber não tendo nada de material para retribuir.

É preciosa aos olhos de Deus a misericórdia com quem não tem para restituir, a gratuidade.

 

Epifania, a realeza poderosa na fragilidade humana de Jesus

Enzo Bianchi , In “Monastero di Bose”

Adoração dos Reis Magos, Tapeçaria, Inglaterra, 1890

No nascimento e na morte de Jesus ressoa para Ele o mesmo título, “Rei dos judeus”. No nascimento dizem-no os magos e repetem-no os escribas e o rei Herodes; na morte fá-lo escrever Pilatos sobre uma placa. No nascimento e sob a cruz está a mesma revelação: a humanidade é una na procura de Deus e no repúdio de Deus, ou melhor, em crer no bem com esperança ou em não crer no bem, preferindo a violência, o mal.
Jesus nasceu Rei dos judeus, mas para todos, e todos podem ir até Ele.

Nasce uma criança numa simples família formada por um artesão, José, e pela sua jovem mulher, Maria; nasce num estábulo, refúgio para o rebanho nos campos de Belém, e no entanto alguns homens vindos de longe, ou melhor, da sua sabedoria orientada, na sua procura são levados a ver neste simples nascimento o cumprimento da sua busca, a plenitude da sua sabedoria.

Em cada ser humano há um anseio de bem, de vida plena, de paz, e este fogo que habita os humanos impele-os a procurar, a meter-se a caminho, a declarar insuficiente a terra que habitam, o horizonte habitual. Por este caminho os humanos procuram e encontram como sinais o que têm ao seu alcance: o céu, a terra, o mar e também as criaturas animadas e inanimadas com as quais podem sabem comunicar.

Naquela longa peregrinação, sobretudo da mente e do coração, alguns sábios, os magos, olharam para as estrelas, para a areia do deserto, para os animais que montavam, para a bagagem que transportavam consigo, para viver e para oferecer. Para quem escrutina o horizonte surge sempre uma estrela que convida ao caminho.

Eles perguntam «onde está o Rei dos judeus que nasceu?» precisamente aos judeus que não se tinham dado conta do nascimento do seu Rei. Não tinha dado conta o rei que reinava naquele momento, Herodes, não se tinham dado conta os sacerdotes nem sequer os peritos das Sagradas Escrituras, os escribas.

Eis o escândalo: quem é designado para conhecer e observar o que acontece, não sabe, quem é capaz de interpretar pontualmente as Escrituras em referência ao Rei dos judeus anuncia-o com clareza e certeza, todavia numa situação de radical cegueira.

Ainda hoje assim acontece: podem conhecer-se as palavras de Deus nas Escrituras, podem citar-se e explicar com competência, podem até ensinar-se aos outros, e contudo, ao mesmo tempo, permanecer numa situação de total cegueira ou surdez, manifestações da dureza do coração.
Esta vinda dos magos causa, porém, inquietação, perturbação da parte dos representantes do poder político e de toda a Jerusalém, porque quando o poder vê surgir outro teme e treme, sentindo-se ameaçado.

Aqueles sábios conseguem ver a estrela que os conduz até ao menino Rei Messias, onde encontram o que procuravam mas que certamente não esperavam assim: simplesmente um menino e a sua mãe. E como convertidos, mudados na sua mente e no seu coração, reconhecem a realeza na anti-realeza, a realeza poderosa e universal na fragilidade humana, num menino incapaz de falar e de ser eloquente com a palavra.

Todavia os magos compreendem, chegam à fé, apesar de não terem nem a revelação nem as sagradas Escrituras. E não por acaso, Mateus anota que regressam ao seu país através de outro caminho, isto é, outro modo de pensar e de viver.Só olhando para a fragilidade de Jesus se pode compreender a sua verdadeira realeza, a sua verdadeira identidade, não plasmada com base nas imagens dos reis e dos poderosos deste mundo.

Quantos homens e quantas mulheres, como estes magos procuram o bem, se sentem viandantes, a caminho, se exercitam a reconhecer a salvação como humanização e trabalham para que o humano seja sempre mais humano. Saibam-no ou não, são pessoas para as quais cada criança que nasce, cada humano que vem ao mundo surge com a dignidade de um rei; surge como um irmão ou uma irmã que espera de nós o nosso ouro (o que temos), o nosso incenso (o perfume libertado pela nossa presença), a nossa mirra (o que sabemos sacrificar de nós próprios, gastando a vida pelo outro).

 

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