Domingo IV da Páscoa (PDF)     TEXTO

Enquanto durar a situação de pandemia, fica suspensa a edição da Folha Informativa em papel.

 

Lucas Cranach, Jesus, o BomPastor

 

No túmulo de um cristão do fim do século II, um certo Abercio, lê-se esta inscrição:
«Sou o discípulo de um pastor santo que tem olhos grandes; o seu olhar alcança todos».

Sim, Jesus é o pastor santo, bom e belo, com olhos grandes, que alcança todos, inclusive nós, hoje.

E por estes olhos nós sentimo-nos protegidos e guiados.

Enzo Bianchi

 

 

Estar perto do povo de Deus

Papa Francisco

Fra Angelico, Pedro prega ao povo

Jesus colocava os apóstolos continuamente à prova para os ensinar e, quando se afastavam da função que deviam desempenhar, detinha-os e ensinava-os.
O Evangelho está cheio de gestos de Jesus para fazer crescer os seus discípulos e para os tornar pastores do povo de Deus, neste caso bispos: pastores do povo de Deus.

Uma das coisas que Jesus mais amava era estar com a multidão, porque este é também um símbolo da universalidade da redenção. E uma das coisas que os apóstolos não apreciavam era a multidão, porque preferiam estar perto do Senhor, ouvir tudo o que o Ele dizia.
Numa ocasião, eles vinham de uma missão e o Senhor disse: «Vinde à parte e descansai um pouco» , e foram para lá. As pessoas viram para onde eles iam pelo mar, caminharam ao longo da costa e esperaram por eles… E os discípulos não ficaram contentes, porque a multidão tinha arruinado o “passeio”: não podiam passar aquele momento com o Senhor.
No entanto, Jesus começou a ensinar, eles ouviram e depois falaram uns com os outros… as horas passavam, Jesus falava e as pessoas estavam felizes.
Mas os apóstolos diziam: “…a nossa festa está arruinada, o nosso descanso está arruinado”.

Mas o Senhor buscava a proximidade com o povo e procurava formar o coração dos pastores para a proximidade com o povo de Deus, a fim de o servir. Mas os apóstolos, compreende-se, sentiam-se eleitos, sentiam-se quase como um círculo privilegiado, uma classe privilegiada, uma “aristocracia”, digamos assim, perto do Senhor, que os corrigia muitas vezes com gestos.
Por exemplo, pensemos nas crianças. Eles preservavam o Senhor: “Não, não, não deixeis que as crianças se aproximem, pois molestam, perturbam… Não, as crianças fiquem com os pais”.
E Jesus? «Deixai vir a Mim as criancinhas». E eles não compreendiam. Mais tarde entenderam. Pensemos no caminho para Jericó, naquele que gritou: «Jesus, filho de David, tem piedade de mim».
E os apóstolos: “Mas cala-te, cala-te, é o Senhor que passa, não O incomodes”. E Jesus diz: «Mas quem é? Deixai que se aproxime». Mais uma vez o Senhor os corrige. E assim ensinava-os a estar perto do povo de Deus.

É verdade que o povo de Deus faz cansar o pastor: quando há um bom pastor, as tarefas multiplicam-se e, por um motivo ou por outro, as pessoas vão sempre ter com o bom pastor. Um grande pároco de um bairro simples e humilde da minha diocese tinha a habitação como uma casa normal, como as outras, e as pessoas batiam à porta ou à janela a qualquer hora… E certo dia ele disse-me: “Tenho vontade de murar a porta e a janela para que me deixem descansar”. Contudo, sabia que era pastor e tinha que estar com o povo! Jesus forma, ensina aos discípulos, aos apóstolos, esta atitude pastoral, que é a proximidade ao povo de Deus.

Os apóstolos diziam: «Despede a multidão para que, indo aos lugares e aldeias ao redor, se agasalhem e encontrem o que comer», justamente no momento da escuridão, quando a noite caía…
Mas o que pensavam? Pelo menos para celebrar a sós, aquele egoísmo não malvado, mas compreende-se, para estar com o pastor, com Jesus, que é o grande Pastor, mas para os testar Jesus responde: «Dai-lhes vós mesmos de comer».

E é isto que Jesus diz também hoje a todos os pastores: “Dai-lhes vós mesmos de comer. Estão angustiados? Dai-lhes consolo. Estão perdidos? Dai-lhes uma saída. São enganados? Dai-lhes ajuda para resolver os problemas… Dai-lhes, dai-lhes vós mesmos…”.
E o pobre apóstolo sente que deve dar, dar, dar… mas de quem recebe? Jesus ensina-nos: d’Aquele de quem o próprio Jesus recebia. Depois deste evento, despede os apóstolos e vai rezar, vai ter com o Pai na oração. É esta dupla proximidade do pastor que Jesus procura levar os apóstolos a entender, para que se tornem grandes pastores.

O poder do pastor é o serviço, ele não tem outro poder e quando comete um erro ao tomar outro poder danifica a sua vocação e torna-se, talvez, gestor de empreendimentos pastorais, mas não pastor. A estrutura não faz pastoral: é o coração do pastor que desempenha o trabalho pastoral. E o coração do pastor é o que Jesus nos ensina agora.

Peçamos hoje ao Senhor pelos pastores da Igreja, para que fale sempre com eles, porque os ama muito: fale sempre connosco, diga-nos como está o mundo, explique-nos e sobretudo ensine-nos a não ter medo do povo de Deus, a não ter receio de estar perto d’Ele.

 

As vocações

Hugo Azevedo

Fra Angelico, Pedro consagra Estevão

Nota característica de qualquer vocação é a de prescindirmos da «nossa realização», inclusive na vocação matrimonial, que é uma entrega, não uma conquista; e até a vocação profissional, que é um serviço, não uma «carreira».

As autênticas vocações divinas caracterizam-se por descentrar-nos de nós mesmos e colocar-nos à disposição de Deus, da Igreja, das almas todas, por determinado caminho espiritual e apostólico. Daí, o seu sentido de aventura, que conta desde o início com obstáculos, interiores e externos; e com o apoio da graça para superá-los.

Por isso, a juventude costuma ser um tempo especialmente favorável à correspondência à graça vocacional: por ser a altura das grandes decisões, pela falta de compromissos anteriores que prendam os jovens; pelo seu inconformismo com o mundo em que entram, e os seus sonhos de «intervenção»: pela sua generosidade que ainda não esfriou com «desilusões»…

Quererá dizer: porque os jovens são ingénuos? Não; mas porque são críticos, e têm razão. Não se conformam com a infelicidade alheia; dói-lhes, são «misericordiosos», «choram»; têm «fome e sede de justiça»; são «pobres», livres, pois ainda não possuem nada de seu; e, se não os depravaram, «são puros de coração»; e anseiam por instaurar a paz de Cristo num mundo de ódios, rivalidades, guerras…

Mas Deus não cessa de nos chamar até ao fim desta vida, confirmando-nos, animando-nos e corrigindo a nossa correspondência.
O Espírito Santo bate ao coração do homem em qualquer idade: quantos O «sentiram» na maturidade ou na senectude! Após uma vida heróica, mediana ou desgraçada. Não desiste, pois todos somos filhos seus, todos chamados à Casa do Pai.

Em qualquer idade e circunstância havemos de perguntar como S. Paulo: – «Senhor, que queres que eu faça?» E, por mais desviada que haja sido a nossa existência, Ele dir-nos-á. Basta sermos sinceros, humildes – e consultar o GPS da nossa consciência bem formada, que nos indica sempre a meta pelo melhor percurso.

 

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