Solenidade da Ascensão (PDF)     TEXTO

Fra Angelico, O Último Julgamento

Com os três gestos últimos de Jesus – envia, bendiz, desaparece – inicia-se naquele momento a «Igreja em saída».

Uma Igreja que perscruta o que de bom há no mundo, que quer captar, colher e fazer emergir as forças mais belas.

Convertei: cultivai e protegei as sementes divinas de cada pessoa.

Ermes Ronchi, Avvenire

Topografia do espírito

Papa Francisco, 2017

Há três lugares referenciais na vida de cada cristão: a Galileia, o céu e o mundo. A eles correspondem outras três palavras: memória, oração e missão, que identificam o nosso caminho.

Jesus, durante os quarenta dias transcorridos da ressurreição até à Ascensão, entretinha-Se com os discípulos: ensinava-lhes, acompanhava-os, preparava-os para receber o Espírito Santo… animava-os. E são precisamente as Escrituras que indicam os três lugares referenciais do nosso caminho cristão, três palavras que revelam sempre como deve ser o nosso caminho.

“Galileia” foi dita à primeira apóstola, Madalena: «Vai e diz aos discípulos que vão à Galileia». Trata-se de uma palavra “referencial” densa de significados para os discípulos.
De facto, na Galileia ocorreu o primeiro encontro com Jesus, é o lugar onde Jesus Se encontrou com eles, escolheu-os, ensinou-lhes desde o início, convidou-os a segui-L’O.

Um lugar que se reapresenta na vida de cada cristão: cada um de nós tem a própria Galileia. É o momento no qual nos encontrámos com Jesus, em que Ele Se manifestou, em que o conhecemos, também nós sentimos esta alegria, este entusiasmo de o seguir. A Galileia indica para cada um a graça da memória, porque para ser um bom cristão é necessário ter sempre a recordação do primeiro encontro com Jesus ou dos encontros sucessivos. Será ela no momento da provação a dar a “certeza”.

“Céu” encontra-se no trecho em que se narra a Ascensão do Senhor: de facto, os apóstolos mantinham os olhos fixos no céu a tal ponto que alguns anjos lhes disseram: «Mas, por que estais a olhar para o céu… Ele partiu. Está lá. Voltará, mas está lá». O Céu é onde agora está Jesus, mas não separado de nós; fisicamente sim, mas sempre a interceder por nós. Lá, Jesus mostra ao Pai o preço que pagou por nós. Assim como era necessário recordar o primeiro encontro com a graça da memória, devemos pedir a graça de contemplar o Céu, a graça da prece, a relação com Jesus na oração, neste momento ouve-nos, está connosco.

“O mundo”. Jesus diz aos discípulos: «Ide e fazei discípulos em todas as nações». O lugar do cristão é o mundo, para anunciar a Palavra de Jesus, para anunciar que fomos salvos, que Ele veio para nos dar a graça, para nos levar todos com Ele diante do Pai. Ir em missão é viver e dar testemunho do Evangelho, é anunciar às pessoas como é Jesus. Isto faz-se com o testemunho e com a Palavra, porque se eu disser como Jesus é, como é a vida cristã e viver como pagão, não funciona. A missão não é eficaz.

 

A força da gravidade que nos impele para o alto

Ermes Ronchi, in Avvenire

A ascensão é a navegação do coração, que te conduz do fechamento em ti ao amor que abraça o universo (Bento XVI). A esta navegação do coração, Jesus chama os onze, um grupinho de homens amedrontados e confusos, um núcleo de mulheres corajosas e fiéis. Desafia-os a pensar em grande, a olhar longe, a ser a narrativa de Deus «a todos os povos».

Depois condu-los para fora, rumo a Betânia, e, erguendo as mãos, abençoa-os (Lucas 24,46-53). No momento do adeus, Jesus acolhe nos braços os seus discípulos, congrega-os e aperta-os a Si, antes de os enviar.
A ascensão é um acto de enorme confiança de Jesus naqueles homens e mulheres que o seguiram durante três anos, que não entenderam muito, mas que muito O amaram: confia à sua fragilidade o mundo e o Evangelho, e abençoa-os.

É o seu gesto definitivo, a última imagem que nos resta de Jesus, uma bênção sem palavras, suspensa para sempre entre Céu e Terra.
Enquanto os abençoava, separou-se deles e foi levado para o Céu. Jesus não foi para longe ou para o alto, para qualquer canto remoto do cosmo. Elevou-Se para a profundidade das coisas, para o íntimo da criação e das criaturas, e de dentro preme como bênção, força ascensional para uma vida mais luminosa.

Não existe no mundo só a força de gravidade para baixo, mas também uma força de gravidade para o alto, que nos faz erguidos, que faz verticais as árvores, as flores, a chama, que levanta a água das marés e a lava dos vulcões. Como uma nostalgia de céu.

Com a ascensão, Jesus sobe à profundeza das criaturas, inicia uma navegação no coração do universo, o mundo é baptizado, isto é, imergido em Deus. Se apenas fosse capaz de me dar conta disto e de disto me alegrar, descobriria a sua presença em todo o lado, caminharia pela Terra como dentro de um único sacrário, num baptismo infinito.

Lucas conclui, de surpresa, o seu Evangelho, dizendo: os discípulos voltaram a Jerusalém com grande júbilo. Em vez disso, deviam estar tristes, acabava uma presença, foi-se embora o seu amor, o seu amigo, o seu mestre. Mas a partir daquele momento, sentem dentro de si um amor que abraça o universo, capaz de dar e receber amor – amei cada coisa com o adeus (Marina Cvetaeva).

Os discípulos veem em Jesus que o homem não acaba com o seu corpo, que a nossa vida é mais forte que as suas feridas. Veem que um outro mundo é possível, que a realidade não é só isto que se vê, mas abre-se sobre um “além”; que em cada sofrimento, Deus inseriu centelhas de ressurreição, clarões de luz no escuro, fissuras nos muros das prisões. Também nós vemos que fica comigo «o meu Deus, perito em evasões» (M. Marcolini).

 

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