Domingo XXXI do Tempo Comum (PDF)  TEXTO

Os Santos e as Santas de todos os tempos não são simplesmente símbolos, seres humanos distantes, inalcançáveis. São pessoas que viveram com os pés no chão; experimentaram a fadiga diária da existência com os seus sucessos e fracassos, encontrando no Senhor a força para se levantar sempre e continuar o caminho.

A santidade é uma meta que não pode ser alcançada apenas com as próprias forças, mas é o fruto da graça de Deus e da nossa resposta livre a ela. Portanto, a santidade é dom e chamada, é viver em plena comunhão com Deus, desde agora, durante esta peregrinação terrena.

Mas a santidade é também o caminho de plenitude que cada cristão é chamado a percorrer na fé, caminhando para a meta final: a comunhão definitiva com Deus na vida eterna. A santidade torna-se assim uma resposta ao dom de Deus, porque se manifesta como uma assunção de responsabilidade.

Nesta perspectiva é importante assumir um compromisso quotidiano de santificação nas condições, deveres e circunstâncias da nossa vida, procurando viver tudo com amor e caridade.

Papa Francisco, 2019

 

Pode alguém ser feliz sendo pobre?

Godzine, nos Salesianos

Andrea di Bartoli, Joaquim e Ana alimentando os pobres

Uma pergunta honesta, é certo, mas parte de dois pressupostos errados. 1. A felicidade é a meta da vida; 2. A pobreza é o rosto dos falhados.

O engano da felicidade
A literatura dedicada ao bem-estar pessoal e ao sucesso tem crescido imenso nos últimos anos. Todavia – diz Enzo Bianchi – a felicidade é um dos mitos mais perigosos da cultura ocidental porque ela é sempre um valor individual e, em casos extremos, a felicidade de um pode ser a infelicidade do outro.

No fundo, a felicidade é tida como um projecto individual de auto-realização (Pier Angelo Sequeri) que relega para segundo plano a vida das outras pessoas.

Esta ideia de felicidade está, infelizmente, presente na edição portuguesa da Bíblia.
Ao traduzir-se makarioi por felizes é como se fosse dito que Jesus, à semelhança de tantos outros, quer propor mais uma via da felicidade. É um equívoco.
Makarios quer dizer beato, bem-aventurado ou abençoado. Por outras palavras, Jesus quer introduzir-nos na dinâmica da graça de Deus, que se rege por critérios diferentes dos nossos. Para nós, um pobre é um falhado ou desgraçado (sem a graça). Para Deus, é um abençoado.
Mas, que tipo de pobre estamos a falar?

Pobres no espírito
O evangelista Mateus, quando comparado a Lucas, esclarece que se trata dos «pobres no espírito».
O pobre no espírito é, para o Antigo Testamento, o humilde e o pequeno diante de Deus. Já para o Novo Testamento é aquela pessoa que não gosta de se exibir, de se comparar aos outros, mas que com facilidade leva a toalha à cintura para servir os outros. Só assim compreendemos que Paulo tenha dito aos coríntios que «Jesus Cristo, sendo rico, se fez pobre por vós, para vos enriquecer com a sua pobreza».

O pobre vive sem falsidade e sem soberba no coração. Reconhece, por isso, que tudo quanto tem é dádiva. E, nada tendo, tudo tem.
Já nós, tendo tudo, muitas vezes não temos nada (daí o mito da felicidade).

Aos humildes, Jesus prometeu o reino e a comunhão com Deus. Mas quando virá o reino de Deus?
Cristo diz que «o Reino de Deus não vem de maneira ostensiva. Ninguém poderá afirmar: “Ei-lo aqui” ou “Ei-lo ali”, pois o Reino de Deus está entre vós».

Por outras palavras, o reino de Deus acontece sempre que Deus reina. E, para reinar, necessita da nossa pobre colaboração.
Agora sim compreendemos o sentido desta primeira bem-aventurança.
Os pobres no espírito são todos aqueles que têm a coragem de se descentrarem de si mesmos para colocarem Cristo e o Seu reino em primeiro lugar.
O papa Francisco diria que este é o tempo de «primeirear», de tomar a iniciativa de se envolver nas situações limite que causam repulsa a tantas pessoas.

Voltamos, portanto, à pergunta que nos levou até aqui. Pode alguém ser feliz sendo pobre?
Creio que sim. Mas é necessário darmos o sentido correcto à felicidade. Feliz – felix – é uma pessoa fecunda e a fecundidade é a abertura à vida do outro.
A felicidade não é, portanto, uma meta mas o reconhecimento que nós, pela graça de Deus, vivemos uma vida fecunda (felix) construindo o Reino de Deus.

 

A minha sede é a minha bem-aventurança

P. Tolentino Mendonça, 10ª meditação Quaresma, 2018

Antonello di Messina, Anunciação

As bem-aventuranças são mais do que uma lei, representando uma configuração da vida, um verdadeiro chamamento existencial.
Elas traçam a arte de ser aqui e agora, ao mesmo tempo que apontam para o tempo eterno após a morte, para o qual convergimos.

São igualmente o auto-retrato de Jesus mais exacto e fascinante, a chave da sua vida, pobre em espírito, manso e misericordioso, sedento e homem de paz, com fome de justiça e com a capacidade de acolher todos.

As bem-aventuranças são a imagem de si próprio que Ele incessantemente nos revela e imprime nos nossos corações.
Mas são também o seu retrato que nos deve servir de modelo no processo de transformação do nosso próprio rosto, no qual devemos aprofundar a “imagem e semelhança” espirituais que liga cada dia o nosso destino ao destino de Jesus.

Não a um cristianismo de sobrevivência
A sede de Deus é fazer com que a vida das suas criaturas seja uma vida de bem-aventurança. Como? Resgatando as nossas vidas com um amor e uma confiança incondicionais. É este o seu método, é esta a bem-aventurança que nos salva.

É este espanto do amor que nos faz começar de novo, esta sede que nos consegue arrancar do exílio a que fizemos aportar a nossa vida.
Por isso não nos basta um cristianismo de sobrevivência, nem um catolicismo de manutenção.

Um verdadeiro crente, uma comunidade crente, não pode viver só de manutenção: precisa de uma alma jovem e enamorada, que se alimenta da alegria da procura e da descoberta, que arrisca a hospitalidade da Palavra de Deus na vida concreta, que parte ao encontro dos irmãos no presente e no futuro, que vive no diálogo confiante e oculto da oração.

É urgente redescobrir a bem-aventurança da sede: a pior coisa para um crente é estar saciado de Deus. Pelo contrário, felizes aqueles que têm fome e sede de Deus: a experiência da fé, com efeito, não serve para resolver a sede, mas para dilatar o nosso desejo de Deus, para intensificar a nossa procura.
Precisamos, talvez, de nos reconciliar mais vezes com a nossa sede, repetindo a nós próprios: “A minha sede é a minha bem-aventurança”.

A Igreja como Maria: escuta, honestidade, serviço
É importante não olhar para a bem-aventurança de Maria em chave abstracta, mas real e concreta.

O seu diálogo com Deus, no momento em que o anjo lhe anuncia que Deus lhe propõe ser mãe do seu Filho, é franco, não deixa de fora emoções, surpresas e dúvidas, até à confiança incondicional e ao seu sim.

Deus salva-nos não apesar de nós, mas com tudo aquilo que nós somos, e isso faz-nos enfrentar a vida com renovada confiança

O estilo mariano deve ser o modelo inspirador do viver: Maria acolhedora, que escuta e está aberta à vida; Maria honesta na sua relação com Deus; Maria ao serviço de um projecto maior.
Sem Maria, a Igreja arrisca desumanizar-se, tornar-se funcionalista, uma fábrica febril incapaz de parar.

 

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