Tempo de Advento

O tempo do Advento, com uma duração de quatro semanas, começou no Domingo, 03 de Dezembro, prolongando-se até a tarde do dia 24 de Dezembro, altura em que começa propriamente o Tempo de Natal.

Podemos distinguir dois períodos. No primeiro deles, que se estende desde o primeiro domingo do Advento até ao dia 18 de Dezembro, aparece com maior relevo o aspecto escatológico, orientando-nos para a espera da vinda gloriosa de Cristo.

As leituras da Missa convidam a viver a esperança na vinda do Senhor em todos os seus aspectos: a Sua vinda ao fim dos tempos, a Sua vinda agora, cada dia, e a Sua vinda há dois mil anos.

No segundo período, até 24 de Dezembro, inclusive, a liturgia orienta-se mais directamente para a preparação do Natal. Somos convidados a viver com mais alegria, porque estamos próximos do cumprimento do que Deus prometera.

Os Evangelhos destes dias preparam-nos directamente para o nascimento de Jesus. Com a intenção de tornar sensível esta dupla preparação de espera, a liturgia suprime durante o Advento uma série de elementos festivos. Desta forma, na Missa já não rezamos o Glória. Reduz-se a música com instrumentos, os enfeites festivos, as vestes são de cor roxa, a decoração da Igreja é mais sóbria, etc.

Todas estas coisas são uma maneira de expressar tangivelmente que, enquanto dura o nosso peregrinar, falta-nos algo para que o nosso gozo seja completo. E quem espera, é porque lhe falta algo. Quando o Senhor Se fizer presente no meio do Seu povo, terá a Igreja chegado à sua festa completa, significada pela Solenidade do Natal.

Temos quatro semanas nas quais de Domingo a Domingo vamos-nos preparando para a vinda do Senhor. A primeira das semanas do Advento está centralizada na vinda do Senhor ao final dos tempos. A liturgia convida-nos a estar vigilantes, mantendo uma especial atitude de conversão.

A segunda semana convida-nos, por meio de João Baptista, a “preparar os caminhos do Senhor”; isto é, a manter uma atitude de permanente conversão. Jesus segue chamando-nos, pois a conversão é um caminho que se percorre durante toda a vida.

A terceira semana pré-anuncia já a alegria messiânica, pois já está cada vez mais próximo o dia da vinda do Senhor.

Finalmente, a quarta semana fala-nos do advento do Filho de Deus ao mundo. Maria é figura central, e a sua espera é modelo e estímulo da nossa espera.

A cor dos paramentos do altar e das vestes do sacerdote é o roxo, igual à da Quaresma, que simboliza austeridade e penitência.

 

Agência ACI (adaptado)

Solenidade de Cristo Rei

A devoção a Cristo Rei foi especialmente promovida pelo Papa Pio XI, que instituiu a respectiva festa litúrgica no decorrer do Ano Santo de 1925 pela Encíclica “Quas Primas” (11 de Dezembro de 1925), para se celebrar no último Domingo de Outubro de cada ano.

Esta devoção tem fundas raízes bíblicas, tanto no Antigo como no Novo Testamento, bastando lembrar que, no julgamento por Pilatos, Jesus se afirmou Rei, mas não à maneira do mundo.

Além disso, o próprio título de Cristo, nome grego que em hebraico se diz Messias e se traduz em português por Ungido, evoca a tradição antiga de se ungirem com óleo, para significar a penetração do Espírito Santo, os profetas, os sacerdotes e os reis.

No tempo de Pio XI ainda se acreditava no ideal de que os Estados de países tradicionalmente cristãos deveriam reconhecer oficialmente a realeza de Jesus Cristo, acatando na sua legislação e governo público os princípios da Lei de Deus e as orientações da Santa Igreja, verdadeiro Corpo Místico de Jesus Cristo. Daí os apelos à implantação nas diversas sociedades do Reinado Social de Cristo, o grande ideal que norteava particularmente a Acção Católica, tão promovida por Pio XI, e objectivo também da acção missionária a que este Papa deu grande impulso.

Com a instituição desta Festa, os frutos esperados da militância católica seriam a liberdade, a ordem, a tranquilidade, a concórdia e a paz entre os homens. O Papa fixou o último Domingo de Outubro para esta Celebração, sobretudo porque tinha em vista a Festa subjacente de Todos os Santos, a fim de se proclamar abertamente a glória Daquele que triunfa sobre todos os Eleitos. Nesta Festa dever-se-ia fazer a Consagração ao Coração do Redentor.

Com o Concílio Vaticano II, em tempo bastante diferente, marcado pela aceitação pela Igreja da laicidade dos poderes públicos num mundo pluricultural e de convívio de várias crenças religiosas, a Festa de Cristo Rei continuou no calendário geral da Igreja, mas com um sentido mais espiritual e litúrgico, passando a celebrar-se no último Domingo do Ano Litúrgico (34º do Tempo Comum), como que a encerrar as celebrações anuais dos mistérios cristãos.

A Festa foi assim colocada dentro do contexto escatológico que caracteriza o último Domingo do Tempo Comum. Agora podemos ver mais claramente que o Senhor glorificado é o ponto de convergência, não só de todo o Ano Litúrgico mas também de toda a nossa peregrinação terrena: “Jesus Cristo é sempre o mesmo, ontem, hoje e amanhã” (Hb. 13,8), “O Alfa e o Ómega, o Princípio e o Fim” (Ap. 22,13).

Assim, no último Domingo do Ano Litúrgico surge a figura de Cristo, Rei da Glória, o fim da história humana, ponto de convergência para o qual tendem os desejos da História e da Civilização, centro do género humano, alegria de todos os corações e plenitude total de todos os seus anseios.

Vivificados e reunidos no Seu espírito, caminhamos como peregrinos para a consumação da história humana, a qual coincide plenamente com o Seu desígnio de Amor: “Em Cristo recapitular todas as coisas, as que estão nos Céus e na terra” (Ef. 1,10). Nesta celebração tem-se em conta especialmente as palavras de Jesus a Pilatos. “Sou Rei, mas não à maneira do mundo”.

Agência Ecclesia (adaptado)

São Marcos

São Marcos é o evangelista que nos vai acompanhar ao longo do novo Ano Litúrgico (B), que se inicia no dia 27 de Novembro com o Primeiro Domingo do Advento.

A tradição antiga, que remonta ao séc. II, atribui o texto deste Evangelho a Marcos, identificado com João Marcos, filho de Maria, em cuja casa os cristãos se reuniam para orar. Com Barnabé, seu primo, Marcos acompanha Paulo durante algum tempo na primeira viagem missionária e depois aparece com ele, prisioneiro em Roma .

Mas liga-se mais a Pedro, que o trata por «meu filho» na saudação final da sua Primeira Carta, sendo muitas vezes considerado como o “Intérprete de São Pedro”. Marcos terá escrito o Evangelho pouco antes da destruição de Jerusalém, que aconteceu no ano 70.

Ainda segundo a tradição, terá sido o primeiro bispo de Alexandria no Egipto, onde terá morrido como mártir. No século IX as suas relíquias foram transladadas para Veneza, cidade de que é padroeiro.

A representação de São Marcos na liturgia católica apresenta-o acompanhado de um leão com asas.

A sua festa religiosa é celebrada a 25 de Abril.

O LIVRO

O Evangelho de Marcos reflecte a catequese que Pedro, testemunha presencial dos acontecimentos, espontâneo e atento, ministrava à sua comunidade de Roma. É o mais breve dos quatro e situa-se no Cânon entre os dois mais extensos Mateus e Lucas e a seguir a Mateus, o de maior uso na Igreja. Até ao séc. XIX, Marcos foi pouco estudado e comentado, para não dizer praticamente esquecido. Santo Agostinho considerava-o como um resumo de Mateus.

A investigação mais aprofundada desde o século passado, à volta da origem dos Evangelhos, trouxe Marcos à luz da ribalta; hoje, é geralmente considerado o mais antigo dos quatro. Na verdade, supõe uma fase mais primitiva da reflexão da Igreja acerca do Acontecimento Cristo, que lhe deu origem; e só ele conserva o esquema da mais antiga pregação apostólica, sintetizada em Actos 1,22: começa com o baptismo de João (1,4) e termina com a Ascensão do Senhor (16,19).

É comum afirmar-se que todos os outros Evangelhos, sobretudo os Sinópticos, supõem e utilizaram mais ou menos o texto de Marcos, assim como o seu esquema histórico-geográfico da vida pública de Jesus: Galileia, Viagem para Jerusalém, Jerusalém.

CARACTERÍSTICAS LITERÁRIAS

Revelando certa pobreza de vocabulário e uma sintaxe menos cuidada, Marcos é parco em discursos; apresenta apenas dois: o capítulo das parábolas (cap. 4) e o discurso escatológico (cap. 13). Mas tem muitas narrações. É exímio na arte de contar: fá-lo com realismo e sentido do concreto, enriquece os relatos de pormenores e dá-lhes vida e cor.

A este propósito são típicos os casos do possesso de Gerasa, da mulher com fluxo de sangue e da filha de Jairo, no cap. 5. Presta uma atenção especial às palavras textuais de Jesus em aramaico, por ex. «Talitha qûm» (5,42) e «Eloí, Eloí, lemá sabachtáni» (15,34). É de referir também o dia-tipo da actividade de Jesus, descrito na assim chamada “jornada de Cafarnaúm” (1,21-34).

Pode dizer-se, porventura de uma forma demasiado simples, que Marcos se faz espectador com os seus leitores. Como eles, acompanha e vive o drama de Jesus de Nazaré, desenrolado em dois actos, coincidentes com as duas partes deste Evangelho. Ao longo do primeiro, vai-se perguntando: Quem é Ele? Pedro responderá por si e pelos outros, de forma directa e categórica: «Tu és o Messias!» (8,29). O segundo acto pode esquematizar-se com pergunta-resposta: De que maneira se realiza Ele, como Messias? Morrendo e ressuscitando (8,31; 9,31; 10,33-34).

TEOLOGIA

Tal como os outros evangelistas, Marcos apresenta-nos a pessoa de Jesus e o grupo dos discípulos como primeiro modelo da Igreja.
Mais do que em qualquer outro Evangelho, Jesus, «Filho de Deus» (1,1.11; 9,7; 15,39), revela-se profundamente humano, de contrastes por vezes desconcertantes: é acessível (8,1-3) e distante (4,38-39); acarinha (10,16) e repele (8,12-13); impõe “segredo” acerca da sua pessoa e do bem que faz e manda apregoar o benefício recebido; manifesta limitações e até aparenta ignorância (13,22). É verdadeiramente o «Filho do Homem», título da sua preferência. Deste modo, a pessoa de Jesus torna-se misteriosa: porque encerra em si, conjuntamente, um homem verdadeiro e um Deus verdadeiro. Vai residir aqui a dificuldade da sua aceitação por parte das multidões que o seguem e mesmo por parte dos discípulos.

Na primeira parte deste Evangelho (1,14-8,30), Jesus mostra-se mais preocupado com o acolhimento do povo, atende às suas necessidades e ensina; na segunda parte (8,31-13,36) volta-se especialmente para os Apóstolos que escolheu (3,13-19): com sábia pedagogia vai-os formando, revelando-lhes progressivamente o plano da salvação (10,29-30.42-45) e introduzindo-os na intimidade do Pai (11,22-26).

Este Jesus, tão simples e humano, é também muito exigente para com os seus discípulos. Desde o início da sua pregação (1,14), arrasta as multidões atrás de si e alguns discípulos seguem-no (1,16-22). Após a escolha dos Doze (3,13-19), começa a haver uma certa separação entre este grupo mais íntimo e as multidões. Todos seguem Jesus, mas de modos diferentes. Este seguimento exige esforço e capacidade de abertura ao divino, que se manifesta em Jesus de forma velada e indirecta através dos milagres que Ele realiza. É por meio dos milagres que o discípulo descobre no Filho do Homem a presença de Deus, vendo em Jesus de Nazaré o Filho de Deus.

A incompreensão é uma das mais negativas características no discípulo do Evangelho de Marcos. É essa a razão pela qual, ao confessar o messianismo de Jesus (8,29), Pedro pensava num messias (termo hebraico que significa “Cristo”) mais político que religioso e que libertasse o povo dos romanos dominadores.

Isso aparece claro quando Jesus desvia o assunto e anuncia pela primeira vez a sua Paixão dolorosa (8,31); Pedro, não gostando de tal messianismo, começa a repreender o Mestre (8,31-33). O que ele queria era como todos os discípulos de todos os tempos um cristianismo sem esforço e sem grandes compromissos.

Apesar da incompreensão manifestada pelos discípulos em relação aos seus ensinamentos, Jesus não desanima e continua a ensiná-los (8,31-38; 9,30-37; 10,32-45). O efeito não foi muito positivo: no fim da caminhada para Jerusalém e após Ele lhes ter recordado as dificuldades por que iria passar a sua fé (14,26-31), ao verem-no atraiçoado por um dos Doze e preso (14,42-45), «deixando-o, fugiram todos» (14,50).

Este é, certamente, o Evangelho onde qualquer cristão se sentirá melhor retratado.

Missionários Capuchinhos, Difusora Bíblica (adaptado)

Solenidade da Imaculada Conceição

A solenidade da Imaculada Conceição, que a Igreja Católica assinala esta quinta-feira, é uma marca essencial “da espiritualidade da alma e da identidade do povo português”, defende o reitor do Santuário de Vila Viçosa, na arquidiocese de Évora.

O padre Francisco Couto assinala a data, num texto publicado na mais recente edição do semanário da Agência ECCLESIA, conjuntamente com o padre Senra Coelho, historiador do Instituto Superior de Teologia de Évora.

Os sacerdotes recordam que não se trata de “uma simples festa cristã” mas sim de uma devoção que “engloba indubitavelmente” a construção da independência nacional.

O dia da Imaculada Conceição é feriado nacional em Portugal e a Conferência Episcopal informou a Santa Sé e o Governo da sua vontade de que a data permanecesse “intocável” nas alterações promovidas pelo Executivo.

A ligação entre Portugal e a Imaculada Conceição ganhou destaque em 1385, quando as tropas comandadas por D. Nuno Alvares Pereira derrotaram o exército castelhano e os seus aliados, na batalha de Aljubarrota, e consolidaram a afirmação da identidade lusitana.

Em honra a esta vitória, o Santo Condestável fundou a igreja de Nossa Senhora do Castelo, em Vila Viçosa, e fez consagrar aquele templo a Nossa Senhora da Conceição.

A antiga igreja de Nossa Senhora do Castelo, espaço onde se ergue atualmente o santuário nacional, afirmou-se nos finais do século XIV como o primeiro sinal desta devoção, em toda a Península Ibérica.

Um segundo passo deu-se durante o movimento de restauração da independência que acabou com o domínio castelhano em Portugal e que culminou com a coroação de D. João IV como rei de Portugal, a 15 de dezembro de 1640, no Terreiro do Paço, em Lisboa.

O mesmo D. João IV, atento a uma religiosidade que também já envolvera a construção de monumentos como o Mosteiro da Batalha, o Convento do Carmo e o Mosteiro da Conceição, coroou a Imagem de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa como Rainha e Padroeira de Portugal durante as cortes de 1646.

“A Solenidade da Imaculada Conceição liga dois acontecimentos decisivos na História da independência de Portugal e no contexto das Nações Europeias”, referem os dois teólogos, que recordam depois a forma como o debate e a celebração desta festividade começou a ganhar forma, no nosso país e em toda a Europa.

A Universidade de Coimbra “tem um papel importante em todo este processo”, adiantam, já que todos os seus intelectuais “defenderam o dogma sob forma de juramento solene”.

O dogma da Imaculada Conceição de Maria seria proclamado pelo Papa Pio IX, a 8 de dezembro de 1854, através da bula ‘Ineffabilis Deus’.

“De tal modo a Imaculada Conceição caracteriza a espiritualidade dos portugueses, que durante séculos o dia 8 de dezembro foi celebrado como “Dia da Mãe” e João Paulo II incluiu no roteiro da Visita Pastoral de 1982 dois Santuários que unem o Norte e o Sul de Portugal: Vila Viçosa no Alentejo e o Sameiro no Minho”, sublinham os padres Francisco Couto e Senra Coelho.

 

Agência Ecclesia

Homilia no Pontifical da Ressurreição 2012

 

“A surpresa da Ressurreição”

Homilia no Pontifical da Ressurreição

Sé Patriarcal, 8 de Abril de 2012

 

1. Deus surpreende-nos sempre. A ressurreição de Jesus surpreendeu mesmo os seus discípulos mais íntimos: Maria Madalena, Pedro e João. E no entanto Jesus tinha ligado sempre o anúncio da ressurreição à referência à Sua morte. No Monte Santo, depois de se ter transfigurado diante destes mesmos discípulos, surpreendendo-os com o esplendor da Sua glória, recomendou-lhes que não falassem daquela manifestação até que Ele ressuscitasse dos mortos. Eles fizeram como Jesus mandava, “mas discutiam entre eles o que significaria ressuscitar dos mortos” (Mc. 9,9-11). São João protagonista do Tabor e da ida ao Sepulcro, comenta assim a sua surpresa: “Na verdade ainda não tinham entendido a Escritura, segundo a qual Jesus devia ressuscitar dos mortos” (Jo. 20,9).
Cristo é a grande surpresa de Deus, na expressão do Seu amor pelos homens. Deus fazer-Se Homem, estava sugerido no anúncio dos profetas, mas não claramente anunciado, misterioso demais para ser compreendido. Esta surpresa da ressurreição completa a surpresa de José quando pressentiu que a sua noiva Maria estava grávida antes de terem convivido intimamente. Cristo surpreendeu, muitas vezes, durante o seu ministério: quando fez milagres, na acutilância da Sua Palavra, na intimidade que Deus tinha com Ele.

E quando já muitos acreditavam que Ele era o Messias prometido e esperado, deixar-Se matar é uma surpresa dramática que desdiz a fé de todos esses seus seguidores. E quando esse drama estava consumado, em que a recordação dos discípulos era a normal ternura pelo cadáver de um ente querido, a surpresa da ressurreição que os obriga a começar tudo de novo, a reler todos os acontecimentos e palavras da sua convivência com Jesus, a dar um lugar à fé que, apesar de tudo, ela nunca tinha tido, e a abrirem-se a outras surpresas no convívio com Jesus ressuscitado. O futuro começa agora, a sua fidelidade de discípulos vai ter outras expressões, abertura a todas as surpresas de Deus.

2. Na oração colecta estão enunciadas as duas surpresas desta ressurreição de Cristo: Ele é o vencedor da morte e abriu-nos as portas da eternidade.
A Sua vitória sobre a morte não é apenas pessoal, é uma vitória da humanidade. Em Cristo ressuscitado, cada um de nós pode vencer a morte porque Ele nos ensina a fazer da vida um dom. Sempre que se oferece a vida, com amor, já se venceu a morte. Mas a grande vitória sobre a morte é abrir-se à imortalidade, é assumir a nossa vocação de peregrinos de outra pátria e de outra experiência de vida. Não sabemos como será essa forma de vida, será outra grande surpresa de Deus, apesar de já experimentarmos as suas primícias. Acolhamos as palavras do Apóstolo Paulo, proclamadas nesta celebração: “Se ressuscitastes com Cristo, aspirai às coisas do alto… Afeiçoai-vos às coisas do alto e não às da terra. Porque vós morrestes, e a vossa vida está escondida com Cristo, em Deus” (Col. 3,1-4).
Só a ressurreição de Cristo constrói em nós uma verdadeira abertura à vida eterna, prometendo-nos que a nossa morte, vivida na fé na ressurreição, será, neste mundo, para cada um de nós, a última surpresa de Deus.

3. A Páscoa significa passagem. Desejo-vos uma Páscoa, que seja surpresa de Deus na vossa vida concreta. Unidos a Cristo e fortalecidos pelo Seu Espírito, podemos viver a nossa vida neste mundo, sem fugir a nada do seu realismo, mas com a densidade da eternidade. Em Cristo ressuscitado, a nossa vida pode ser o lugar da surpresa contínua do amor de Deus por nós.

† JOSÉ, Cardeal-Patriarca

Homilia da Paixão do Senhor 2012

 

“A Cruz é o caminho dramático da redenção”

Homilia na Paixão do Senhor

Sé Patriarcal, 6 de Abril de 2012

 

1. Nesta celebração da Paixão do Senhor, a Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo está no centro, sugerindo a dimensão dramática da nossa redenção e a sua centralidade na nossa fé e em toda a vida cristã, na Liturgia, na oração pessoal, na luta contra o pecado, na simbólica de uma vida nova de um povo peregrino da Casa do Pai. A morte de Cristo na Cruz encerra o segredo da própria encarnação do Verbo de Deus. A redenção da humanidade, que no pecado perdera a capacidade de ser um Povo do Senhor, na intimidade de uma Aliança, autêntica reviravolta criadora, tinha de ser feita a partir do homem. É este que precisa de mudança radical do coração, para voltar a ser o Povo do Senhor, na intimidade do Filho. É por isso que Deus Se faz Homem. Essa mudança radical só era possível com a força criadora de Deus, mas tinha de acontecer no homem, na sua liberdade. Na Cruz é a humanidade que muda radicalmente a sua atitude para com Deus, com a força do próprio Deus, feito Homem. Para São Paulo está aí o segredo da novidade cristã: “Deus fez o que era impossível à Lei (…). Ao enviar o Seu próprio Filho, em carne idêntica à do pecado e como sacrifício de expiação pelo pecado, condenou o pecado na carne, para que assim a justiça exigida pela Lei possa ser plenamente cumprida em nós, que já não procedemos de acordo com a carne, mas com o Espírito” (Rom. 8,3-4).

2. Na Cruz realiza-se a reviravolta da humanidade, ela é a fonte da graça da salvação. Escutávamos na Carta aos Hebreus: “Vamos, portanto, cheios de confiança, ao trono da graça, a fim de alcançarmos misericórdia” (Heb. 4,16). Continua a ser misteriosa a fecundidade da Cruz. Já o Profeta Isaías anunciava essa fecundidade do sacrifício do Servo: “Ele terá uma descendência duradoira, viverá longos dias e a obra do Senhor prosperará em suas mãos” (Is. 53,10). “Eu lhe darei as multidões como prémio” (Is. 52,12).
Esta fecundidade salvífica da Cruz é fonte contínua e actual da transformação do homem. Ela é a fonte de uma nova compreensão da vida, uma nova sabedoria, a que Paulo chama a sabedoria da Cruz (cf. 1Cor. 2,2).
Jesus, “aprendeu a obediência no sofrimento” (Heb. 5,6), ensinando-nos a nova compreensão da vida: o sofrimento, a dureza da vida, a luta pela liberdade e pelo amor ganham, na Cruz de Cristo, uma força transformadora e redentora.

3. Esta força transformadora da Cruz de Cristo actua através de todo o poder sacramental da Igreja, com expressão perene e plena na Eucaristia, o sacrifício da nova Aliança. Não devemos separar a Eucaristia desta força redentora da Cruz de Cristo. É o que a Liturgia sublinha ao exigir que no altar da Eucaristia esteja sempre a Cruz, sublinhando a unidade do mesmo mistério.
Aí, mais do que em qualquer outro momento, devemos contemplar a Cruz como a fonte da redenção. A contemplação da Cruz do Senhor pode alimentar toda a nossa caminhada de conversão. O próprio Senhor o afirmou: “Eu, elevado da terra, atrairei todos os homens a Mim” (Jo. 12,32). Contemplando Jesus, na Sua
Cruz, conhecê-lo-emos profundamente como Filho de Deus, nosso Redentor: “Quando elevardes o Filho do Homem, então sabereis que Eu Sou” (Jo. 8,28).
Jesus quer que O contemplemos na Sua Cruz, descobrindo n’Ele o sinal da nossa salvação: “Como Moisés elevou a serpente no deserto, assim é preciso que seja elevado o Filho do Homem, para que todo aquele que crê, tenha por Ele a vida eterna” (Jo. 3,14-15).

4. A contemplação da Cruz acompanha a vida dos cristãos, desde as orações litúrgicas, aos hábitos pessoais, dando origem a uma autêntica cultura. Hoje, ao adorar a Cruz do Senhor, somos chamados a reaviver o sentido de todas essas expressões de amor à Cruz e que, tantas vezes, podem cair na rotina. Cada uma dessas expressões da presença da Cruz no dia a dia da vida do cristão, podem transformar-se na contemplação do Crucificado, sentindo o amor infinito de Deus por nós e louvando a Deus pela nossa redenção.

Lembremos algumas dessas expressões:
* A Cruz é sinal de bênção. Todas as bênçãos são feitas com o sinal da Cruz, desde a bênção do pão e do vinho na oferta eucarística, às bênçãos de pessoas, de instituições, de acção dos cristãos. Se consciencializarmos esses gestos, sentiremos que toda a bênção tem a sua fonte na Cruz do Senhor, sinal do seu amor infinito.
* A Cruz dá sentido à vida pessoal. Benzemo-nos, com o sinal da Cruz, quando começa e quando acaba o dia ou em momentos particularmente exigentes e significativos: quando iniciamos a oração, quando queremos entregar a Deus as acções que vamos fazer. Façamos o exercício de consciencializar quantas vezes, durante o dia, fazemos o sinal da Cruz.
* A Cruz é ornamento. Ainda hoje, muitas pessoas trazem ao peito a Cruz do Senhor, como se ela fosse o único ornamento digno do cristão. Aí a fé deu lugar à arte e à beleza, na medida em que essas cruzes são frequentemente trabalhadas artisticamente e feitas em material precioso. Uma cruz preciosa pode significar quão importante é, para nós, a fecundidade da Cruz.
* A Cruz pode ser expressão da alegria cristã. Uma bela expressão desta relação da Cruz com o júbilo da vida é a “cruz florida”, presente na nossa cultura e que nós comunicámos a outras culturas. A Cruz florida simboliza os frutos de vida nova que florescem da Cruz do Senhor, fazendo dela, verdadeiramente, a nova árvore da vida. Segundo o Apocalipse, da Cruz brota um rio de vida, límpido como cristal. Em cada margem desse rio há árvores de vida que dão frutos abundantes (cf. Apoc. 22,1-2).
Cantemos com fé e amor: “Adoramos, Senhor, a Vossa Cruz, louvamos e bendizemos a Vossa ressurreição gloriosa: pela Cruz veio a alegria ao mundo inteiro”.

† JOSÉ, Cardeal-Patriarca