Folha Informativa 01-12-2024

I Domingo do Advento (PDF) TEXTO

Vermeer, Marta e Maria com Jesus

No Advento não vivemos unicamente a expetativa do Natal; somos convidados também a despertar a expectativa da vinda gloriosa de Cristo, preparando-nos para o encontro final com Ele, mediante escolhas coerentes e corajosas.

Esperamos a vinda gloriosa de Cristo e inclusive o nosso encontro pessoal: o dia em que o Senhor chamará.

Durante estas quatro semanas, somos chamados a abandonar um modo de viver resignado e habitudinário, e a sair alimentando esperanças, nutrindo sonhos para um novo futuro.

O Evangelho deste domingo vai precisamente nesta direção, alertando-nos a não nos deixarmos oprimir por um estilo de vida egocêntrico, nem pelos ritmos frenéticos dos dias. Vigiar e rezar: eis como viver este tempo, a partir de hoje até ao Natal.

O sono interior nasce do girar sempre em volta de nós mesmos e do permanecer sitiados no fechamento da própria vida. Este tempo é oportuno para abrirmos o nosso coração, para fazermos perguntas concretas sobre como e por quem despendemos a nossa vida.

Papa Francisco, dez 2018

 

30

Arquivo de Folhas Informativas anteriores a 25.11.2018

 

Folha Informativa 24-11-2024

XXXIV Domingo do Tempo Comum (PDF) TEXTO

Gustav Klint, Christus Rex

Amando, não interessa pensar no que porventura receberemos. O que interessa pensar é no que damos. No que arrancamos de nós, como expressão da nossa dependência.

Se para o efeito tivermos de enfrentar as circunstâncias ou a opinião dos outros, e ficar sozinhos num mundo hostil, tanto melhor. Mais autêntico então se revela em nós o amor de Deus. Pois quem apenas O ama só na prosperidade, verdadeiramente não é a Deus que ama; é a si que ama. Daí vem que tantos se aproximem e se afastem da Igreja, conforme a direção do vento.

O Reino de Deus não é deste mundo; mas é com os padrões do mundo que eles o avaliam. Querem unicamente pão para as suas digestões – e, por conseguinte, querem o Reino de Deus, se imaginam que ele, direta ou indiretamente, lho assegura; mas logo o aborrecem, se concluem que, afinal, ele é, como de facto é, coisa do espírito e não do estômago.»

D. António dos Reis Rodrigues, A semente lançada à terra – Breves notas de espiritualidade

 

O olhar da cruz

Hans Thoma, Crucificação

Hoje o nosso Rei olha-nos da cruz como uma “brasa ardente”.

Cabe-nos escolher sermos espetadores ou envolvidos. Vemos as crises de hoje, o declínio da fé, a falta de participação…

E que fazemos? Limitamo-nos a fazer teorias, limitamo-nos a criticar, ou arregaçamos as mangas, comprometemo-nos na vida, passamos do “se” das desculpas ao “sim” da oração e do serviço?

Falamos todos os dias do que está errado no mundo e também na Igreja. Mas depois fazemos alguma coisa? Metemos as mãos na massa, como o nosso Deus pregado no madeiro, ou ficamos a olhar com as mãos nos bolsos?

Hoje, enquanto Jesus, despido na cruz, tira todo o véu sobre Deus e destrói toda a falsa imagem da sua realeza, olhemos para Ele a fim de encontrar a coragem de olhar para nós mesmos, percorrer os caminhos da confidência e da intercessão e fazer-nos servos para reinarmos com Ele.

“Lembra-Te, Senhor, lembra-Te”: façamos esta oração com maior frequência!

Papa Francisco, 2022

Advento, tempo de oração e de esperança

Monsenhor André Sampaio de Oliveira

Hans Memling , Advento e Triunfo de Cristo

Ressoa na Liturgia da Igreja o convite a anunciar a feliz notícia: “Deus vem!”
Duas palavras apenas anunciam a todos os corações a esperança que renova a vida do homem e lhe abre horizontes de uma vida em plenitude. Duas palavras apenas são luz que ilumina o nosso caminho, que aquece os nossos corações e nos abre ao amor de Deus e ao nosso próximo.

Advento, em latim “Adventus”, significa “vinda”. Em que consiste, então, a vinda do Senhor? Será que esta vinda também nos envolve e responsabiliza?
Caminhar em Tempo de Advento é olhar para o nascimento de Cristo, há mais de dois mil anos; é apontar para a Sua última vinda gloriosa; mas é também estarmos vigilantes e atentos às Suas vindas, no hoje das nossas vidas.

Preparar o Natal é olhar para a vinda de Cristo. Ele já veio. Nasceu num lugar concreto, num país concreto e transformou a nossa história e a nossa vida. Naquela pequena povoação da Judeia, em Belém, nasceu Jesus, filho de Maria, e esse Menino iniciou um caminho do qual todos nós somos herdeiros. Olhar para esse acontecimento que marca a história é sermos introduzidos na história da Salvação, no projeto de Deus que vem até nós, de uma forma muito especial, em Seu Filho Jesus.

No Advento também preparamos a última vinda do Senhor. Ele há-de vir na Sua Glória, no final dos tempos. O Advento é um tempo favorável para a redescoberta de uma esperança não vaga nem ilusória, mas certa e confiável, porque está “ancorada” em Cristo, Deus feito homem, rochedo da nossa salvação.
Com esta confiança construímos, agora, o nosso presente e olhamos para o futuro com olhos de esperança, com os olhos de Deus.
Mas “Deus vem!”
Ele vem agora, no hoje das nossas vidas.

Advento é, por isso, tempo de vigilância e de oração, tempo de perceber e experimentar a presença de Deus, a sua visita constante às nossas vidas. Deus vem agora a nós de muitas maneiras, através dos acontecimentos e das pessoas. Seja, pois, este tempo um estímulo para estarmos com os olhos e os corações bem abertos, vigilantes e atentos à descoberta da presença de Deus nas nossas vidas, na Igreja e na Sociedade, na família, no trabalho, na escola, na dor e na alegria.

Veio, virá e vem sempre. Não é um simples movimento constante de aproximação, mas revela-nos quem é Deus: um Deus que continuamente se aproxima do homem, o resgata e recria. Não é um Deus ausente e desinteressado da nossa vida, mas é um Pai que vela por nós, com amor e carinho.
O advento será, assim, um tempo para reconhecermos Deus tão próximo, que nos impele a agir, a reagir, a dar resposta ao Seu amor, a saborear a alegria da nossa filiação divina.

 

 

 

Arquivo de Folhas Informativas anteriores a 25.11.2018

 

Folha Informativa 17-11-2024

XXXIII Domingo do Tempo Comum (PDF) TEXTO

Angelica Kauffman, Jesus e a Samaritana

Cada cristão tem a grave responsabilidade de ser testemunha consciente, ativa e comprometida do projeto de salvação de Deus.

Na espera do Senhor, façamos frutificar os dons que Deus nos deu.

É com o nosso coração que Jesus continua a amar os publicanos e os pecadores do nosso tempo.

É com as nossas palavras que Jesus continua a consolar os que estão tristes e desanimados.

É com os nossos braços abertos que Jesus continua a acolher os migrantes e refugiados que fogem da miséria e da degradação.

É com as nossas mãos que Jesus continua a quebrar as cadeias que prendem os escravizados e oprimidos.

É com os nossos pés que Jesus continua a ir ao encontro de cada irmão que está sozinho e abandonado.

É com a nossa solidariedade que Jesus continua a alimentar as multidões famintas do mundo e a dar medicamentos e cultura àqueles que nada têm, particularmente os mais pobres, como recordamos neste Dia Mundial dos Pobres.

Manuel Barbosa, scj

 

A oração do pobre eleva-se até Deus

Papa Francisco, Dia Mundial dos pobres, 2024

Giotto, A pregação de S. Francisco de Assis aos pássaros

No ano dedicado à oração, em vista do Jubileu Ordinário de 2025, esta expressão da sabedoria bíblica é ainda mais oportuna.
A esperança cristã inclui a certeza de que a nossa oração chega à presença de Deus; não uma oração qualquer, mas a oração do pobre.

No seu caminho, o profeta Ben Sirá descobre uma das realidades fundamentais da revelação, ou seja, o facto de os pobres terem um lugar privilegiado no coração de Deus, a tal ponto que, perante o seu sofrimento, Deus se “impacienta” enquanto não lhes faz justiça: “A oração do humilde penetrará as nuvens, e não se consolará, enquanto ela não chegar até Deus. Ele não se afastará, enquanto o Altíssimo não olhar, não fizer justiça aos justos e restabelecer a equidade. O Senhor não tardará nem terá paciência com os opressores”.

Ninguém está excluído do coração de Deus, uma vez que, diante d’Ele, todos somos pobres e necessitados. Somos todos mendigos, pois sem Deus não seríamos nada.
E, no entanto, quantas vezes vivemos como se fôssemos os donos da vida ou como se tivéssemos de a conquistar!
A mentalidade mundana pede que sejamos alguém, que nos tornemos famosos, independentemente de tudo e de todos, quebrando as regras sociais para alcançar a riqueza.
Que triste ilusão! A felicidade não se adquire espezinhando os direitos e a dignidade dos outros.

A violência causada pelas guerras mostra quanta arrogância move aqueles que se consideram poderosos aos olhos dos homens, enquanto aos olhos de Deus são miseráveis. Quantos novos pobres produz esta má política das armas, quantas vítimas inocentes!
Contudo, não podemos recuar.

A pior discriminação que sofrem os pobres é a falta de cuidado espiritual. A imensa maioria dos pobres possui uma especial abertura à fé; tem necessidade de Deus e não podemos deixar de lhe oferecer a sua amizade, a sua bênção, a sua Palavra, a celebração dos Sacramentos e a proposta dum caminho de crescimento e amadurecimento na fé.
A opção preferencial pelos pobres deve traduzir-se, principalmente, numa solicitude religiosa privilegiada e prioritária.

Tudo isto requer um coração humilde, que tenha a coragem de se tornar mendigo. Um coração pronto a reconhecer-se pobre e necessitado. Existe, efetivamente, uma correspondência entre pobreza, humildade e confiança.
O homem humilde não tem nada de que se vangloriar nem nada a reclamar, sabe que não pode contar consigo próprio, mas acredita firmemente que pode recorrer ao amor misericordioso de Deus, diante do qual se encontra como o filho pródigo que regressa a casa arrependido para receber o abraço do pai.
O pobre, sem nada em que se apoiar, recebe a força de Deus e coloca n’Ele toda a sua confiança. Com efeito, a humildade gera a confiança de que Deus nunca nos abandonará e não nos deixará sem resposta.

Aos pobres que habitam as nossas cidades e fazem parte das nossas comunidades, recomendo que não percam esta certeza: Deus está atento a cada um de vós e está perto de vós. Ele não se esquece de vós, nem nunca o poderia fazer. Todos nós fazemos orações que parecem não ter resposta. Por vezes, pedimos para sermos libertados de uma miséria que nos faz sofrer e nos humilha, e Deus parece não ouvir a nossa invocação. Mas o silêncio de Deus não significa distração face ao nosso sofrimento; pelo contrário, contém uma palavra que pede para ser acolhida com confiança, abandonando-nos a Ele e à sua vontade. Da pobreza, portanto, pode brotar o canto da mais genuína esperança.
Os pobres têm ainda muito para ensinar, porque numa cultura que colocou a riqueza em primeiro lugar e que sacrifica muitas vezes a dignidade das pessoas no altar dos bens materiais, eles remam contra a corrente, tornando claro que o essencial da vida é outra coisa.

Madre Teresa de Calcutá, uma mulher que deu a vida pelos pobres, quando falou na Assembleia Geral da ONU, a 26 de outubro de 1985, mostrando a todos as contas do terço que trazia sempre na mão, disse: “Sou apenas uma pobre freira que reza. Ao rezar, Jesus põe o seu amor no meu coração e eu vou dá-lo a todos os pobres que encontro no meu caminho. Rezai vós também! Rezai, e sereis capazes de ver os pobres que tendes ao vosso lado. Talvez no mesmo andar da vossa casa. Talvez até nas vossas próprias casas há quem espera pelo vosso amor. Rezai, e abrir-se-ão os vossos olhos e encher-se-á de amor o vosso coração”.

No caminho para o Ano Santo, exorto todos a fazerem-se peregrinos da esperança, dando sinais concretos de um futuro melhor. Não nos esqueçamos de guardar «os pequenos detalhes do amor»: parar, aproximar-se, dar um pouco de atenção, um sorriso, uma carícia, uma palavra de conforto… Estes gestos não podem ser improvisados; exigem uma fidelidade quotidiana, muitas vezes escondida e silenciosa, mas fortalecida pela oração.

 

Arquivo de Folhas Informativas anteriores a 25.11.2018

 

Folha Informativa 10-11-2024

XXXII Domingo do Tempo Comum (PDF) TEXTO

Ignaz Dullinger, A pobre viúva

A Igreja «em saída» é uma Igreja com as portas abertas.

Sair em direção aos outros para chegar às periferias humanas não significa correr pelo mundo sem direção nem sentido.

Muitas vezes é melhor diminuir o ritmo, pôr de parte a ansiedade para olhar nos olhos e escutar, ou renunciar às urgências para acompanhar quem ficou caído à beira do caminho.

(…) Quando se lê o Evangelho, encontramos uma orientação muito clara: (chegar) não tanto aos amigos e vizinhos ricos, mas sobretudo aos pobres e aos doentes, àqueles que muitas vezes são desprezados e esquecidos, «àqueles que não têm com que te retribuir».

Não devem subsistir dúvidas nem explicações que debilitem esta mensagem claríssima. Hoje e sempre, «os pobres são os destinatários privilegiados do Evangelho», e a evangelização dirigida gratuitamente a eles é sinal do Reino que Jesus veio trazer. Há que afirmar sem rodeios que existe um vínculo indissolúvel entre a nossa fé e os pobres.

Não os deixemos jamais sozinhos!.

Papa Francisco, Evangelii gaudium

 

Sementes da generosidade

Luigino Bruno

As empresas e todas as organizações serão lugares de vida boa e plena desde que deixem viver virtudes não económicas ao lado das económicas-empresariais.
Exige que os dirigentes estejam dispostos a relativizar até mesmo a eficiência, que se está a tornar o verdadeiro dogma da nova religião do nosso tempo.

A generosidade é uma destas virtudes não económicas, mas também essenciais para todas as empresas e instituições.
A raiz da generosidade encontra-se na palavra latina “genus”, “generis”, um termo que lembra raça, família, nascimento – é este o primeiro significado da palavra “genere”

Esta etimologia recorda-nos que a nossa generosidade tem muito a ver com a transmissão da vida: com a nossa família, com as pessoas à nossa volta, com o ambiente em que crescemos e aprendemos a viver.
A generosidade forma-se dentro de casa.

A que temos dentro depende muito da generosidade dos nossos pais, de como e quando se amaram antes de nós nascermos, das escolhas de vida que fizeram e das que fazem quando nós começamos a olhá-los. Da sua fidelidade, da sua hospitalidade, da sua atitude para com os pobres, da sua disponibilidade em “gastar” o tempo para ouvir e ajudar os amigos, do seu amor e do reconhecimento para com os seus pais.
O depósito de generosidade duma família, de uma comunidade, de um povo, é uma espécie de soma da generosidade de cada um.

Cada geração desenvolve o valor deste depósito ou o reduz, como está a acontecer, hoje, na Europa, onde a nossa geração, empobrecida de grandes ideais e paixões, está a delapidar o património de generosidade que herdou.

A lição de gratuidade de Charles de Foucauld

Pablo d’Ors, 2016

Um olhar mesmo superficial aos escritos de Charles de Foucauld, sobretudo diários espirituais e cartas, faz-nos compreender como ele atravessou a vida escrutinando a própria consciência, entrando nas motivações dos próprios atos, revendo as intenções, examinando minuciosamente o mínimo detalhe, como tinha aprendido de Santo Inácio, projetando sonhos com os quais dar corpo a uma intuição, observando-se no espelho de Jesus Cristo, o seu Bem-amado, estudando o que seria mais aconselhável e oportuno, censurando-se as falhas, agradecendo os dons recebidos, louvando por tanto bem e bondade, programando o impossível… (…)

A certo ponto da sua vida, esmagado por tanto amor, Foucauld cozeu um coração vermelho no seu hábito branco, dando uma clara prova de como aquele coração o tinha atado. Foucauld foi certamente um sentimental, mas no interior de uma personalidade poliédrica de incomparável riqueza. Ainda que a sua fosse uma vocação à oração contemplativa e silenciosa, nunca abandonou a oração afetiva, alimentada por palavras e imagens que a mantiam acesa.
Praticou a custódia do coração: sentir a vida, oculta e frágil, em cada palpitação; sentir a Vida com maiúscula nesta nossa vida, tão limitada e intensa, tão humana e tão divina.

No termo da vida, pouco antes de ser assassinado, Foucauld encontrou-se – serviram-lhe décadas inteiras para chegar a isto – com as mãos felizmente vazias.
Poder-se-ia dizer que ao longo da sua existência recolheu um fracasso após o outro: último da sua classe no exército, no qual esteve várias vezes para ser expulso por causa dos seus escândalos e indisciplina.

Foucauld é um dos mais conseguidos ícones do fracasso. Porque preferiu os últimos lugares aos primeiros, a vida oculta à pública, a humilhação à elevação.
Por tudo isto, Foucauld é a imagem em que podem reconhecer-se todos os fracassados da história. Não é, todavia, o único; há outros com ele, todos solitários, todos loucos.

«Pai meu, eu me abandono a Ti.
Faz de mim aquilo que quiseres.
O que quer que faças de mim,
eu Te agradeço.

Estou pronto para tudo, aceito tudo,
desde que a tua vontade se cumpra em mim
e em todas as tuas criaturas.
Não desejo nada mais, meu Deus.
Entrego a minha alma nas tuas mãos,
dou-ta, meu Deus,
como todo o amor do meu coração,
porque Te amo.

E é para mim uma exigência de amor o dar-me, o entregar-me nas tuas mãos sem medida,
com uma confiança infinita,
porque tu és o Pai meu».

Arquivo de Folhas Informativas anteriores a 25.11.2018

 

Folha Informativa 03-11-2024

XXXI Domingo do Tempo Comum (PDF) TEXTO

Fra Angelico, Anunciação

Neste mundo líquido, é necessário voltar a falar do coração; indicar onde cada pessoa, de qualquer classe e condição, faz a própria síntese; onde os seres concretos encontram a fonte e a raiz de todas as suas outras potências, convicções, paixões e escolhas.

Movemo-nos, porém, em sociedades de consumidores em série, preocupados só com o agora e dominados pelos ritmos e ruídos da tecnologia, sem muita paciência para os processos que a interioridade exige.

Na sociedade atual, o ser humano corre o perigo de se desorientar do centro de si mesmo.

O homem contemporâneo encontra-se com frequência transtornado, dividido, quase privado de um princípio interior que crie unidade e harmonia no seu ser e no seu agir.

Modelos de comportamento infelizmente bastante difundidos, exaltam a sua dimensão racional-tecnológica ou, ao contrário, a instintiva.

Falta o coração.

Papa Francisco, Dilexit nos, outubro 2024

 

Eu e o estrangeiro

Cardeal Ravasi, 2015

William Bendz, artista mira obra no espelho

Tempo virá
em que, exultante,
te saudarás a ti mesmo chegado
à tua porta, no teu próprio espelho
e cada qual sorrirá ante a saudação do outro,
dirá: Senta-te aqui. Come.
Amarás de novo o estrangeiro que era o teu Eu.
Dá vinho. Dá pão. Devolve o coração
a ele próprio, ao estrangeiro que te amou
toda a tua vida, que ignoraste.

Como sempre, a poesia, para ser apreciada, requer uma leitura serena: antigamente, cada leitura dos textos escritos exigia a pronúncia exterior, de modo que as palavras reverberassem, deixando em torno de si quase como que um halo, um eco interior.
Citámos aqui versos da poesia “Amor após amor”, do grande poeta Derek Walcott, o cantor dos mestiços, nascido numa ilha das Caraíbas, Santa Lúcia, em 1939.

Como se intui, unem-se e sobrepõem-se duas fisionomias diversas, a minha e a do outro, o estrangeiro.
Se ao espelho olhamos o nosso rosto, descobrimos nele os traços da humanidade, porque a ela todos pertencemos, para além das diferenças étnicas, culturais, religiosas.

«Amarás o estrangeiro que era o teu Eu», diz o poeta.
«Amarás o teu próximo como a ti mesmo», diz a Bíblia.
Neste paralelo há dois amores que se fundem, o espontâneo por si próprio e aquele que o é para os outros, muitas vezes conquistado com algum esforço mas que deverá ser, da mesma maneira, intenso.

Devemos tentar reconduzir o nosso coração «a si mesmo», isto é, à sua consciência profunda, e aí descobriremos que há o estrangeiro dentro de nós porque ele é semelhante a nós por causa do próprio Deus que o criou, do próprio Cristo que o redimiu, do próprio amor que foi deposto nele e em nós, e do próprio pecado que obscurece a nós e a ele.

Arquivo de Folhas Informativas anteriores a 25.11.2018

 

Folha Informativa 27-10-2024

XXX Domingo do Tempo Comum (PDF) TEXTO

Benjamin Vautier, Mulher reza junto a leito de morte

Filho de David, Jesus, tem piedade de mim!.

Façamos hoje esta oração. E perguntemo-nos: Como está a minha oração?”.

É corajosa, tem a boa insistência de Bartimeu, sabe “alcançar” o Senhor que passa, ou contenta-se em dar-Lhe uma saudação formal de vez em quando, quando me lembro? A minha oração expõe o meu coração diante do Senhor? Apresento-Lhe a história e os rostos da minha vida? Ou é anémica, superficial, constituída por rituais sem afeto nem coração?

Quando a fé está viva, a oração é sentida: não mendiga tostões, não se reduz às necessidades do momento. A Jesus, que tudo pode, deve ser pedido tudo, com a minha insistência perante Ele.

Ele não vê a hora de derramar a sua graça e alegria nos nossos corações, mas infelizmente somos nós que mantemos a distância, talvez por timidez, ou preguiça ou incredulidade.

Papa Francisco, 2021

 

Liberta-nos da escuridão e dá-nos um olhar de luz

Ermes Ronchi, 2015

Václav Mánes, Jesus curando o homem cego

Um retrato traçado com três dramáticas pinceladas: cego, mendigo, só. Um mendigo cego: o último da fila, um náufrago da vida, um farrapo confinado à escuridão na margem de uma estrada de Jericó.

Depois, imprevistamente, tudo se desencadeia: passa Jesus e reacende-se o motor da vida, sopra um vento de futuro.
Com o Senhor há sempre um “depois”.
E Bartimeu começa a gritar: Jesus, tem piedade. Não há grito mais evangélico, não há prece mais humana e ardente: piedade dos meus olhos apagados, desta vida perdida.
Mas a multidão ergue um muro ao seu grito: cala-te! O grito de dor está fora de todo o lugar.

É terrível pensar que diante de Deus o sofrimento esteja fora de lugar, que a dor esteja fora do programa. E, todavia, para muitos de nós é assim, desde sempre, porque os pobres perturbam, mostram-nos o rosto negro e duro da vida, esse lugar onde nunca queremos estar e onde tememos cair.
Em vez disso, o cego sente que um outro mundo é possível, e que a sua chave tem-na Jesus. Com efeito, o rabi escuta e responde, escuta e relança.
E assim se liberta toda a energia da vida.

Notemos como cada gesto daqui em diante parece excessivo, exagerado: Bartimeu não fala, grita; não despe a capa, atira-a; não se levanta do chão mas salta.
A fé é isto: um excesso, dos mais ilógicos e belos. Algo que multiplica a vida: «Vim para que tenhais o cêntuplo nesta vida». Acreditar faz bem. Cristo cura toda a existência.

Jesus cura o ser humano, antes de curar o cego. Porque alguém se aproxima d’Ele. Alguém O toca, mesmo que só com a voz. E então emerge do seu naufrágio humano: o último começa a redescobrir-se um como os outros, começa a viver porque foi chamado com amor.

A cura de Bartimeu desencadeia-se quando «salta» e deixa todo o amparo para se precipitar, sem ver, para aquela voz que o chama: guiado, orientado apenas pela palavra de Cristo que então ressoa no ar.

Também nós, cristãos, nos orientamos na vida como o cego de Jericó, sem ver, apenas seguindo o eco da Palavra de Deus, que continua a semear olhos novos, olhos de luz sobre a Terra.

Arquivo de Folhas Informativas anteriores a 25.11.2018